E ele beijou o escudo

"Vale destacar que torcedor – e, aqui, não importa se criança, mulher, velho, jovem, rico ou pobre – nunca será igual ao ‘consumidor’, embora este, muitas das vezes, tente ser aquele”

É fato que existe um movimento no sentido de dar à magia do futebol a dicotomia consumidor x espetáculo. O binômio torcedor x futebol já vem se esvaindo, há tempos... Para os desavisados, melhor incentivar o filho a ‘torcer’ pelo São Paulo (time da moda) ou pelo Flamengo ou Fluminense, por terem bonitas cores. Ah!, e lembrando: mesmo sendo a criança filha de Uberlândia. Está, pois, em curso um processo, ao que parece sem volta (lamentavelmente!), que vem criando uma nova relação entre os clubes e seus aficionados, que não serão mais os tradicionais torcedores, mas serão os futuros consumidores, seja do espetáculo, seja dos produtos dos clubes de futebol.

Como bem observa o sociólogo paulista Ademir Castellari, esta elitização do futebol teve início na Inglaterra, quando a população daquele país, endinheirando-se mais e mais a cada dia, acabou empurrando os pobres ou os ‘inconvenientes’ para freqüentarem o ‘espetáculo’ rumo às suas casas, subjugados ao pay-per-view ou aos mixos jogos na TV aberta (alguma semelhança com o que vem acontecendo aqui, no Brasil?).

Vale destacar que torcedor – e, aqui, não importa se criança, mulher, velho, jovem, rico ou pobre – nunca será igual ao ‘consumidor’, embora este, muitas das vezes, tente ser aquele. O torcedor de verdade não liga para a qualidade do espetáculo. Ele torce, simplesmente torce – e muito – para o seu time. O ‘consumidor’ exige um bom produto, coisas que o eufemismo qualifica como ‘mercado’, ‘espetáculo’ etc. Difícil imaginar como uma pessoa pobre ou de poucas posses poderá pagar por uma sala climatizada, serviço ‘a la carte’ e telões com replay nos jogos de seu clube...

A poucos dias do 86º aniversário do nosso Uberlândia Esporte Clube, me vêm à mente aqueles bons tempos, quando, levado pelo meu amado pai e grudado no alambrado do Estádio Juca Ribeiro, comia pipoca e assistia aos jogos do meu querido Verdão. E os pais levavam suas crianças. E a criança crescia torcendo, também loucamente tal qual o pai, pelo Verdão. Nada parecido com o que vemos hoje quando ‘melhor é torcer para quem está ganhando’, comportamento típico de quem só pensa em ganhar, assim como todo e qualquer bom consumidor.

Domingos atrás tivemos o jogos contra o nosso maior rival: Uberaba Sport. Meu filhinho, Luiz Gustavo, de 4 anos apenas, não pôde ir. Vetado pela mãe, em razão de uma gripe que parecia vir... Mas não teve problema: antes de minha saída para o estádio, ainda sentado no sofá de minha casa e já vestido com o manto verde e branco, Luiz Gustavo pulou em cima de mim, me disse tchau papai e, não perdendo a oportunidade, agarrou minha camisa e beijou o escudo do Uberlândia Esporte.

Parabéns, Verdão! Você é tradição, amor e força! E continue firme no seu caminho de conquistas e glórias!!!

Luiz Martins Netto

Advogado

Uberlândia (MG)"

Fonte: Jornal Correio - Edição de 28.10.2008